O ano é 2022: a camada de ozônio segue em perigo, o aquecimento global, a todo vapor, as eleições estão enlouquecendo os brasileiros, os humanos andam com rostos grudados em telas de celulares cujos aplicativos têm de constantemente atualizar.
Ah, sim, e uma das maiores tendências de um dos gigantes do mundo do cinema, a Disney, é o remake de antigos e muito queridos clássicos da animação. Nessa onda, cuja maré já dura um tempo, eis que vem à superfície ela, uma antiga conhecida nossa: Ariel, a pequena sereia (queria dizer “sem trocadilhos”, mas né…).
Acontece que, na nova produção live-action, com estreia marcada para maio de 2023, a curiosa sereia ruiva, amiga do Linguado e do Sebastião, será interpretada pela cantora e atriz Halle Bailey - que é [rufem os tambores] negra.
A ‘polêmica’ ao redor da escalação da protagonista já começou a comer solta a partir do momento em que o elenco foi anunciado, com toda sorte de reações negativas pipocando pela internet.
Agora, vejamos. Mas vejamos bem, sem ser hipócritas, qual seria o motivo de tal polêmica.
Halle Bailey tem experiência tanto como atriz, da série “Grown-ish" (2018), spin-off da premiada “Black-ish” (2014); quanto como cantora, dado que faz parte da dupla Chloe x Halle, de R&B, com sua irmã desde muito nova. Juntas, as duas já foram indicadas a mais de 5 Grammys. Até agora, e baseado tanto no que vimos no lindíssimo trailer que saiu recentemente, quanto na animação original, não falta nada para ser uma releitura ótima, certo?
Pois então se os fãs que estão destilando hate afirmam que é uma questão de a adaptação se manter ‘fiel’ à produção original, por que a atriz afirma que recebeu ataques racistas desde sua escalação para o papel…?
Vai ver é porque o problema, na verdade, é esse, né, pessoal? Cuidadinho com o que postam, o racismo enraizado de alguns aí está abrindo as asinhas…
Agora, volto a afirmar e propor a seguinte reflexão: o ano é 2022 e fazemos updates constantes de aplicativos em aparelhos que já se tornaram praticamente extensões de nossos membros. Por que, cargas d'água, não conseguimos fazer o mesmo tipo de atualização na nossa visão de mundo? E isso por uma série de motivos. Primeiramente, porque o que é claramente racista é simplesmente absurdo. E tentar dizer que não inventando mil desculpas elaboradas é dar uma de J.K. Rowling “não-transfóbica” - apenas triste, e a pessoa só vai insistir e se enrolar mais ainda no erro.
Segundo, porque adaptação só por adaptação, saibam vocês que a própria animação original, de 1989, é baseada no conto do dinamarquês Hans Christian Andersen - em que Ariel morre no final. E vira espuma. Contentes?
Acho que não, né?
E terceiro, mas definitivamente não menos importante, porque em releituras tais como essa que será lançada agora e as que vêm sendo feitas recentemente em live-action, pode-se fazer de um tudo. Não só criativamente, mas também em termos de como pensamos hoje em dia (amém), muita coisa pode ser atualizada, se não corrigida, em relação à época em que esses grandes clássicos foram feitos originalmente.
Representatividade e criatividade não são conceitos mutuamente exclusivos, é muito importante lembrar isso - não basta querer enaltecer, criar, ou educar uma nova geração só a partir dos personagens e histórias de hoje em dia, se o público e o mundo não estiverem dispostos a rever conceitos e ideias anteriores.
Até porque, em se tratando de personagens icônicos e clássicos da Disney, releituras totalmente diferentes das caracterizações originais já foram feitas e não só ninguém reclamou, como ainda achou lindo.
Quer ver? Toma aí dois exemplos:
→ Billy Porter em “Cinderela” (2021)
- Em 2021, o ícone dos palcos da Broadway e dos bailes de “Pose” (2018) Billy Porter encarnou a Fada Madrinha no remake da Amazon Prime Video de “Cinderela” (1950). Há quem tenha assistido o filme só por conta da Camila Cabello, sim, mas falando sério? Não teve para ninguém, brilhou muito e quebrou tudo, principalmente todo e qualquer paradigma; afinal, não preciso lembrar a ninguém quem era a Fada Madrinha original, certo?
Basta dizer que nem negra, nem gay, nem cheia dos brilho tudo. Muito menos, homem.
Ah, e para os ‘puristas’ de plantão, a Cinderela também não era nem latina, nem morena, tá?
→ Will Smith em “Aladdin” (2019)
- Will Smith foi o Gênio da Lâmpada do remake de “Aladdin”, e nós… Bom, precisa dizer mais alguma coisa depois dessa sequência? Sinceramente, acho que se tivessem pensado nisso na época do original, teria sido assim desde o começo.
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