Numa entrevista em que comentava o sucesso mundial de Parasita, Bong Joon-ho disse que havia dirigido seu filme pensando em particularidades da sociedade coreana, mas que as respostas de diferentes platéias em diferentes países eram muito similares, o que demonstrou que "todos vivemos num mesmo país, chamado Capitalismo". Essa entrevista me veio à cabeça após assistir Don’t Cry, Butterfly (Mưa trên cánh bướm), primeiro longa-metragem da cineasta vietnamita Linh Duong. Apesar da história ser recheada de tradições e hábitos específicos da cultura do Vietnã, não há limite de nacionalidade para que qualquer um se envolva totalmente com ela - especialmente se for recebida por olhos femininos.
Tam (Le Tú Oanh) trabalha num serviço de planejamento de cerimônias de casamento, a única fonte de renda da família, já que seu marido Thanh (Le Vu Long) parece não exercer nenhuma função. Ao mesmo tempo, ela cumpre seu papel de dona-de-casa, cuidando do lar que também é composto por sua filha Ha (Nguyen Nam Linh). Enquanto a jovem parece ter certo ressentimento pela mãe submissa, ela ainda mantém um respeito e gratidão básicos por tudo que ela faz. O mesmo não pode ser dito pelo marido, que é praticamente uma criança distante, mal reconhecendo a presença das outras pessoas da casa. Mas qualquer ilusão que Tem mantinha sobre seu casamento é quebrada quando ela descobre que o marido tem um caso com uma sobrinha jovem. E pior, a imagem do marido com a amante aparece sem querer na TV, e todos os seus amigos e familiares ficam sabendo ao mesmo tempo. Enquanto isso acontece, Tam descobre uma estranha infiltração que aos poucos vai se espalhando pelo teto do apartamento.
Linh Duong, que também assina o roteiro, cria uma narrativa em que o mundano se entrelaça ao espiritual. Tam decide se arriscar com rituais e simpatias que tragam de volta a harmonia de sua vida familiar, quanto mais ela se convence que a infiltração é causada por um espírito maligno que está afetando seu marido e filha. Ao mesmo tempo, Ha está cada vez mais decidida a sair da casa dos pais e se concentrar num futuro fora do Vietnã. É quase só sobre isso que ela conversa com seu melhor amigo Trong (Bùi Thạc Phong) que, ao contrário dela, se mostra cada vez mais acomodado, e aos poucos começa a se distanciar.
É aí que o contraste entre realidade e fantasia começa a se manifestar. Tam e Ha estão cientes e preocupadas com a infiltração que, segundo suas vizinhas, também está alcançando os outros apartamentos, mas nenhuma dos personagens masculinos que aparece no filme consegue enxergar as manchas no teto e nas paredes. Nesse sentido, a verdade sobre a presença de um espírito maligno no apartamento não chega nem a ser uma dúvida. O "demônio" aqui é, acima de tudo, metafórico. Um mal que só as mulheres conseguem entender e temer propriamente. Ele se manifesta no distanciamento e frieza dos homens (o marido de Tam só tem uma fala no filme todo, que é muito reveladora) e na carência e desespero das mulheres. O desespero que vem do anseio tanto de pertencer a um lar tradicional quanto de escapar dele.
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