Meu Amigo Robô: um companheirismo que me surpreendeu em 2024

Na noite passada, eu estava deitado na minha cama, alternando entre diferentes plataformas de mídia social no celular em uma tentativa habitual de encontrar algo novo, apenas para descobrir um sentimento crescente de monotonia e inutilidade.

Verdade seja dita, depois de perceber que os algoritmos estavam trabalhando duro para alimentar meus desejos, a coisa toda perdeu rapidamente seu encanto.

Eles não me conhecem, eu pensei.

Nos últimos anos, companhias de IA lançaram um produto fascinante atrás do outro. Não muito tempo atrás, a Open AI lançou um novo produto, Sora, que é capaz de interpretar o texto do usuário e produzir vídeos correspondentes.

Ok, parece divertido, mas adivinhe como a IA me surpreendeu? Algum tempo atrás, me diverti muito conversando com o ChatGPT, até ele começar a gerar afirmações absurdas que pareciam lógicas, mas eram completamente falsas. Por fim, parei de conversar me sentindo muito decepcionado.

Estou sendo muito exigente? Parece que eu realmente espero que um algoritmo esperto me conheça.

Meu amigo Jack mandou uma mensagem no grupo

“Gente, olha isso. É incrível”.

“Uau!”, respondi com um emoji de uma carinha animada. Eu precisava desesperadamente me recarregar.

Jack então recomendou um filme chamado Meu Amigo Robô no grupo. Tem classificação de 7,5 no IMDb e foi indicado na 96ª edição do Oscar.

“Ahn, é outro filme sobre IA? Não estou interessado nisso no momento”. Antes de poder realmente escrever como os humanos, é apenas algo sintetizado a partir de um monte de componentes eletrônicos. (A propósito, eu tenho escrito à mão para mostrar minha resistência à IA).

“Não, não, não, ele com certeza vai te surpreender”. Jack enviou rapidamente um vídeo. Era o trailer de Meu Amigo Robô.

Cliquei sem pensar na miniatura e depois senti um formigamento na minha alma.

Dog, o personagem com olhos caídos deitado no sofá, não se parece exatamente comigo agora? Ele alterna constantemente entre diferentes programas de TV, enquanto eu estou apenas mexendo em diferentes aplicativos, e acabo não ganhando nada.

A câmera dá zoom quando ele passa para uma propaganda com um pentagrama brilhante que tem duas palavras grandes escritas ali: “Peça Agora”.

Então a câmera corta imediatamente para o close-up do cachorrinho. Seus olhos se arregalam rapidamente conforme ficam cada vez mais brilhantes.

A cena a seguir mostra o cachorro recebendo empolgado um pacote enquanto abana a cauda e monta um robô. A cena dele montando uma parte após a outra me lembra a diversão que era montar legos quando criança.

(Ok, diretor Pablo Berger, acho que sou seu público-alvo.)

Sem hesitar, continuei assistindo o filme.

No trailer, notei que não havia nenhum diálogo. O que me chocou ainda mais é que o filme inteiro não tem nenhum diálogo.

Na minha memória, o último filme sem diálogo dos últimos anos foi O Artista, que é em preto e branco. Mas pelo menos filmes mudos têm cenas inseridas para ajudar o público a entender o enredo.

Porém, essa animação literalmente não tem nenhuma. Com a popularização da arrogância hoje em dia, é impossível não se perguntar se Berger quer “exibir” suas habilidades da mesma maneira.

Mas logo percebi que estava errado, e eu deveria sentir vergonha por pensar assim.

O que mostra é um companheirismo sincero e apaixonado. E nesse companheirismo, as ações são muito mais significativas do que as palavras.

No filme, Dog não é muito bom em se expressar. Ele deseja uma amizade, mas sempre acha difícil encontrar os amigos certos.

Ele sempre é gentil com estranhos, independentemente se essa gentileza é recíproca.

Dog se esforça ao máximo para dar às crianças que vem até ele a melhor experiência de Halloween, mesmo que elas só queiram doces e ignorem seu trabalho árduo. Ele também cumprimenta estranhos na pista de boliche como uma demonstração de simpatia, mesmo que apenas recebe olhares frios em resposta.

O cachorrinho não culpa ninguém por seus encontros infelizes, e sempre age ativamente para mudar o status quo.

Atualmente, o desenvolvimento das mídias online preencheu nossas vidas urbanas com uma variedade de vozes. Seja a caminho do trabalho ou no restaurante onde você come, você sempre vê pessoas assistindo vídeos curtos e todo tipo de mensagens curtas.

Para atrair a atenção dos usuários de maneira mais efetiva, essas plataformas online estão se esforçando muito para tornar seus conteúdos mais curtos e mais manipulativos, incitando-nos a curtir, favoritar e compartilhá-los, mas fazendo com que nos falte atenção o suficiente para experimentar a essência das emoções – que emoção pode ser transmitida de maneira mais precisa do que através da linguagem corporal e da expressão facial?

Sem dúvida, essas tomadas silenciosas são um teste mais rigoroso das habilidades do diretor. Mas na entrevista de Berger, podemos ver que ele está muito disposto a fazer isso. Ele disse que nunca trata animações como um gênero, mas simplesmente como uma forma de expressão. Acho que também é esse motivo criativo que o impulsiona a passar mais tempo dando vida aos personagens.

“Saudações a Pablo Berger”. Peguei meu telefone outra vez e enviei uma mensagem a Jack.

“Isso é ótimo, cara. Fico feliz que você gostou”, respondeu ele.

Um zumbido.

As mensagens no grupo continuam subindo. Jack tinha mais coisas para dizer.

“Mary disse que os relacionamentos retratados no filme são 'um pouco incomuns'. Há até uma cena no filme em que Dog e o Robô estão de mãos dadas”.

A Mary que é entusiasta de casais e shippa Johnlock? Não estou surpreso.

Bom, tenho que admitir que tive uma leve suspeita. Há, de fato, algumas cenas no filme nas quais Dog e Robô estão de mãos dadas e alguns trabalhos da câmera fazem parecer que eles estão muito próximos.

Mas esse não é o ponto principal.

A retratação de Berger das expressões nos olhos dos personagens é vívida o suficiente para que eu possa perceber seus sentimentos mais sinceros e o quanto eles gostam um do outro apenas pela maneira como se olham. Seus contatos visuais transmitem sentimentos puros que tem pouco a ver com romance ou química e não exigem maiores explicações.

Eles gostam da companhia um do outro de maneira sincera, e tal companheirismo não precisa ser definido. Talvez como Leslie Felperin comentou no The Hollywood Reporter: “talvez não precise de um nome”.

“Sim, crianças também fazem isso”, eu respondi.

“É que agora somos adultos e solitários”, continuei. Jack reagiu gentilmente ao meu comentário com um joinha e um emoji de abraço.

“É uma pena que esse filme não ganhou um Oscar”, enviei no grupo.

Merece um prêmio em vários aspectos.