undefined_peliplat

"Anatomia de uma Queda": não é sobre escolher um lado, mas "criar certezas"

Vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes 2023 e concorrendo ao Oscar 2024 em categorias como Melhor Roteiro Original, Melhor Direção e Melhor Filme, aqui no Brasil “Anatomia de uma Queda” foi lançado nos cinemas no dia 25 de janeiro, com classificação indicativa 14 anos. O filme é roteirizado por Justine Triet e Arthur Harari e dirigido apenas por Justine Triet. O elenco conta com nomes como Sandra Hüller, Samuel Theis, Milo Machado Graner, Swann Arlaud e Antoine Reinartz.

Em “Anatomia de uma Queda” acompanhamos Sandra, uma escritora alemã de sucesso que mora com sua família em um chalé isolado nos alpes franceses. Um certo dia, Sandra recebe a visita de uma estudante de literatura que a admira e deseja entrevistá-la. A entrevista começa bem, descontraída, mas logo é interrompida pela música em volume estrondoso que Samuel, o esposo de Sandra, põe enquanto trabalha na reforma do sótão do chalé. Também incomodado pela música, Daniel, o filho do casal, sai para passear com o cão de estimação, Snoop, e, ao voltar, se depara com o pai caído em frente à casa, morto. A necrópsia não se mostra conclusiva quanto à causa da morte de Samuel e, havendo a possibilidade de homicídio, Sandra é a grande suspeita de ter cometido o crime. Uma investigação é instaurada e é a partir daí que a trama se desenvolve.

De cara aviso que “Anatomia de uma Queda” é, basicamente, um drama de tribunal, não espere uma ficção policial de subgênero whodunit, aos moldes dos mais recentes “A Noite das Bruxas” e “Glass Onion”. E isso não é um ponto negativo! O subgênero do filme em questão permite que nos aproximemos mais da mente dos envolvidos e nos mantém mais atentos a toda articulação necessária à vitória diante de um júri.

Articulação essa que pode ser bem desconfortável se você se colocar na pele dos personagens, como eu acredito que o filme consegue fazer, certamente com a ajuda da atuação de todo o elenco, que traz grande carga emocional. É sério: da atuação do simpático cão Border Collie Messi, que conquistou a Palma Canina no Festival de Cannes 2023, passando pela atuação de Milo Machado Graner e Antoine Reinartz até chegar à atuação de Sandra Hüller, que lhe garantiu a indicação na categoria Melhor Atriz no Oscar 2024.

Falando sobre o esposo de Sandra, o pouco de Samuel que conhecemos antes de sua morte revela um lado provocativo/afrontoso, mas seus motivos só serão apresentados de forma póstuma, através dos áudios gravados pelo próprio, ora com ora sem a ciência da esposa. Também é através dos áudios que percebemos que não só o estudo da queda do corpo do homem merece atenção, o relacionamento do casal já vinha em queda há algum tempo: o que deveria ser trabalhado e superado se tornou remorso ou frustração, o que deveria ser comemorado se tornou competição, o que deveria ser flexibilidade se tornou dominância e submissão, e parece que era nas mãos de Sandra que se concentrava o poder.

Sandra é uma mulher forte e, por vezes, fria, mas a pressão do júri e da mídia, a exposição dos conflitos da vida conjugal, a presença do próprio filho no tribunal e, por fim, a necessidade de usar um idioma inabitual (o francês), abalam suas estruturas e revelam um lado mais sensível, reconhecido pelo filho e por Vincent, o advogado, conhecido de longa data. No tribunal, a câmera fica perambulando de um lado pra outro, mas acaba focando na ré para nos concentrarmos em seus depoimentos e reações, sendo um dos momentos mais impactantes, na minha opinião, a exposição do áudio da discussão entre Sandra e Samuel no dia anterior ao da tragédia.

E o que falar sobre Daniel? Até que ponto um julgamento pode mexer com a memória e certezas de uma criança com deficiência visual traumática que se encontra entre a cruz e a espada ao depor no julgamento da morte do próprio pai quando a própria mãe é suspeita de assassinato? Tudo parece pesado: a reconstituição de uma suposta discussão entre os pais momentos antes da tragédia, a proteção da Justiça para não sofrer influências da mãe, as perguntas sem respostas... Em um outro momento impactante, tamanho é o desespero do garoto que este chega a fazer um experimento bem arriscado para por à prova as palavras de Sandra.

Entre depoimentos técnicos e pessoais, sob diferentes perspectivas, temos diferentes versões da Sandra e do Samuel, sempre confrontadas pelo advogado de defesa ou pelo promotor de justiça, que se mostra incansável em seu caso. Em meio a tudo isso, naturalmente começamos a julgar o que é verdade e o que é mentira, o que é realmente relevante para a resolução do caso e o que está sendo exposto só para desviar o olhar, ludibriar... O ponto é que o julgamento é marcado pela subjetividade e quanto mais atenção se tem e melhor se organiza e expõe uma declaração, maior é o peso do que está sendo dito. Fácil? Nem tanto...

Mais populares
Mais recentes
comments

Compartilhe sua opinião!

Seja a primeira pessoa a iniciar uma conversa.

4
comment
0
favorite
1
share
report