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O filme mais emocionante do Dia dos Namorados é este filme muçulmano queer.

Spoilers

Você já colocou um filme aleatório só para ter algo para assistir e depois saiu com toda uma nova perspectiva de vida? Foi isso o que aconteceu comigo quando eu assisti O Caftan Azul ano passado. Quando você ouve que a história foca em um homem, cuja esposa que está morrendo, e seu novo interesse romântico, que é outro homem, você pode pensar em uma história sórdida de paixão e traição. Em vez disso, no entanto, você recebe um filme de Dia dos Namorados que fala sobre o amor em todas suas formas e contradições, emocionante para se assistir com um(a) amigo(a), um(a) namorado(a) ou até mesmo sozinho(a).

Infelizmente, O Caftan Azul chegou e passou relativamente despercebido, provavelmente devido às raízes profundas do filme na cultura marroquina. Como alguém comprometido com um marroquino, que fala um pouco de Darija e viveu no Marrocos por um tempo, aqui está um breve guia para ajudá-lo a apreciar o filme em três de suas locações. Atenção: há muitos spoilers a seguir, mas vale a pena para entender essa obra-prima.

A loja Caftan – parceria

Mina e Halim em sua tradicional loja caftan
Mina e Halim em sua tradicional loja caftan

Primeiro encontramos nossos personagens em uma pequena loja em Salé, uma cidade decadente próxima à capital do Marrocos. Propriedade de Mina e Halim, tudo nela fala sobre tradição, dos tradicionais caftans que ela vende à insistência teimosa de costurar à mão e preservar as técnicas históricas. Que um homem esteja fazendo caftans é um incomum, mas perdoável. Um dia, porém, um jovem homem chega, Youssef, que quer ser o aprendiz de Halim. Mina duvida dele, não só de suas habilidades, mas também de sua dedicação à arte em extinção, embora, conforme o amor começa a florescer entre o mestre e o aprendiz, é impossível não pensar que possa haver ciúmes por trás de suas críticas.

No entanto, logo percebemos que Halim não é o verdadeiro professor de Youssef. Em vez disso, a própria Mina é, ensinando a ele não como costurar, mas como ser um bom parceiro para Halim. Acontece que Mina está doente, e embora tenha aceitado a própria morte, ela ainda não aceitou a deixar o amor da sua vida para trás. O relacionamento deles não é exatamente tradicional, visto que o marido é gay, mas isso não significa que haja menos amor entre eles.

Por isso, Mina se encarrega de treinar Youssef, sendo dura e exigente não por ciúmes, mas pelo desejo de garantir que seu parceiro seja bem cuidado quando ela falecer. Ao fazer isso, a loja caftan assume um papel subversivo, tornando-se um lugar para ensinar e criar amor em vez de roupas.

O hamame – sexualidade

Um típico hamame marroquino (exceto que este tem menos nudez).
Um típico hamame marroquino (exceto que este tem menos nudez).

A próxima localização importante no filme é o hamame. Para aqueles que não estão familiarizados, a descrição mais simples do hamame seria casa de banho. Na verdade, porém, o significado social que ele tem vai muito além da purificação do corpo. Eles são os locais onde você fica sentado por horas nu com seus vizinhos, socializando e fofocando enquanto os funcionários de lá esfregam sua pele. É uma experiência inquietante para quem não está acostumado, mas é uma parte integral da cultura marroquina, um lugar onde a sujeira e os segredos sujos são lavados.

Isso torna ainda mais escandaloso ver como Halim usa o local. Ele vai diretamente contra os princípios do local – ele se retira do contexto comunitário ao reservar uma sala privada, preservando seus segredos e roubando um momento sensual que parece tudo menos purificador. Sua exploração do tempo e do espaço, utilizando-os para o propósito oposto ao pretendido, é quase poético. Visto que o Marrocos é muito homofóbico, é compreensível que Halim tire vantagem desta oportunidade.

No entanto, a real beleza dessa escolha no filme é como, mais uma vez, vemos um personagem pegando um espaço tradicional e mudando-o fundamentalmente; em vez de ver o hamame como um lugar de tortura mental e de risco de ser descoberto, Halim o usa como uma válvula de escape para o amor e a sexualidade que ele não pode expressar de maneira pública.

A cafeteria – romance

Halim e Youssef em um encontro a cafeteria
Halim e Youssef em um encontro a cafeteria.

Uma cafeteria é só uma cafeteria, certo? Não no Marrocos. Enquanto eu estava lá, eu raramente ia a cafeterias porque mesmo na cidade progressista de Rabat, elas transbordam uma masculinidade hostil. As cadeiras geralmente são viradas para a rua, dando aos homens a chance de observar as ruas e, é claro, as mulheres que passam. Não é surpresa, então, que Mina não seja bem recebida ali - ela não apenas é uma mulher em um espaço masculino, mas também é barulhenta e presente em vez de passiva e observável como os típicos clientes da cafeteria gostariam que fosse. Embora os outros dois lugares possam ser moldados para novos usos, a cafeteria se recusa, e derrota Mina ao rejeitá-la com firmeza.

Youssef e Halim, no entanto, finalmente conseguem redefinir o lugar na cena final. Após a morte de Mina, eles voltam à cafeteria sozinhos. Não há mais desconforto, já que se misturam perfeitamente com os outros clientes. Sua conformidade é uma artimanha, e o casal parece bem presunçoso a respeito disso. O espaço para “homens viris” agora se tornou um lugar onde um casal queer pode ir para um encontro apesar da cultura que faria qualquer coisa para impedi-los.

Eles conseguem isso porque, embora Mina quisesse quebrar o espaço cultural, esses dois estão simplesmente contentes em existir em silêncio dentro dos limites de sua tradição e jogando areia nos olhos dos outros. É um ato final de amor, um que equilibra romance com tradição para encontrar uma maneira de ter os dois mesmo quando parecem contraditórios.

Viver e amar

Fato não tão curioso: Ayoub Missioui, Lubna Azabal e Saleh Bakri cresceram fora do Marrocos – o que não é surpreendente, já que a homofobia geral no Marrocos arruinaria as carreiras dos atores locais.
Fato não tão curioso: Ayoub Missioui, Lubna Azabal e Saleh Bakri cresceram fora do Marrocos – o que não é surpreendente, já que a homofobia geral no Marrocos arruinaria as carreiras dos atores locais.

No final, o que achei fascinante e inspirador sobre o filme é como ele lida com a tradição e o amor. Hoje em dia, as pessoas tendem a defender a ideia de que tradições “opressivas” devem ser eliminadas para que as pessoas possam ser livres para se expressarem. O Caftan Azul, porém, apresentar manter e quebrar a tradição como escolhas válidas. Mina odeia como a cultura tira sua identidade, e Halim e Youssef respeitam isso ao colocá-la em um caftan azul em vez do tradicional véu branco após sua morte. Ao mesmo tempo, porém, Halim e Youssef amam sua cultura e descobrem como existir dentro dela.

No final, todo amor é válido. O romance é importante, claro, mas também o amor por um parceiro ou por um país e uma cultura. O valor que você dá a cada um e como lida com eles é uma jornada pessoal – quer você os molde ou os quebre, a escolha é sua no fim. Seja como for, não importa quem esteja ao seu lado neste Dia dos Namorados (ou se não há ninguém), O Caftan Azul com certeza será uma companhia reconfortante para este dia.

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