Sundance 2024: 7 filmes latino-americanos que valem a pena

O Festival de Cinema de Sundance, realizado anualmente em janeiro, serve como plataforma de lançamento para filmes independentes. Esses filmes, menos conhecidos e com baixos orçamentos, têm boa qualidade, e usam o festival para chamar a atenção de distribuidores e plataformas de streaming. Reforçados pela exposição em vários outros festivais internacionais ao longo do ano, eles podem até ganhar reconhecimento durante a temporada de premiações.

"20 Days in Mariupol" e "A Memória Infinita" são exemplos que estrearam em Sundance em janeiro de 2023 e garantiram indicações a Melhor Documentário no Oscar em 11 de março daquele ano; outro exemplo éNo Ritmo do Coração, que estreou no Sundance em janeiro de 2021 e ganhou o Oscar de Melhor Filme no final de março de 2022.

Mas quais são os filmes independentes que valem a pena este ano? Comecemos pelos latino-americanos! Entre os 82 longas selecionados, 4 são de países latino-americanos, 2 foram inteiramente produzidos na América Latina, mas são considerados produções norte-americanas, e 1 é sobre imigrantes latino-americanos; a maioria em espanhol. Dentre esses 7 filmes, 4 receberam prêmios em diferentes categorias.

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  1. Sujo
    Grande Prêmio Internacional do Júri: Drama

México Diretoras: Astrid Rondero, Fernanda Valadez

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Imagem de “Sujo”

Sujo é um menino de Tierra Caliente, no centro do México. Em um país devastado pela guerra às drogas, sua cidade natal é apenas mais uma zona sem lei. Aos 4 anos, o jovem Sujo testemunhou a brutal execução do pai, um sicário do cartel marcado com a tatuagem “8”. Sob a proteção de duas mulheres que desafiam a violência das gangues, ele é criado junto com outros dois meninos. No entanto, ao entrarem na adolescência rebelde, acham difícil resistir ao fascínio do cartel impregnado de hormônios masculinos. Sujo, agora marcado com a tatuagem “40”, sucumbe à atração, mas consegue manter distância das gangues graças à orientação carinhosa e à educação moral que recebeu; ele, então, se aventura na Cidade do México em busca de trabalho e educação. Com a ajuda de uma conhecida, vive uma vida saudável e normal em sua jornada da infância à idade adulta.

"Sujo" não é apenas um filme sobre amadurecimento, mas também um drama realista que investiga as questões das drogas e da violência, um tema comum em filmes ambientados no México. Entretanto, ao contrário dos outros filmes, não há uma única cena violenta, nem uma gota de sangue é vista.

As diretoras são duas mulheres mexicanas profundamente preocupadas com a questão urgente do crescimento das crianças. Alimentadas por um amor profundo e um forte sentido de responsabilidade, elas apontam para os graves problemas sociais em seu país, particularmente a situação dos órfãos de gangues, número estimado em 80.000. É necessário que a nação e a sociedade tomem nota desta situação.

Um dos focos de discussão no Sundance deste ano é o filme de impacto, e o público evidentemente espera que “Sujo” se torne um deles. Para as realizadoras, porém, a perspectiva é clara: “Não podemos esperar que um filme mude a realidade; basta que ele nos mude”.

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Imagem de “Sujo”

Bônus: Aqui está a entrevista com os diretores de “Sujo”, em espanhol.

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2. Gaucho Gaucho
Prêmio Especial do Júri de Documentário dos EUA para Som

Argentina/EUA Diretores: Michael Dweck, Gregory Kershaw

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Imagem de “Gaucho Gaucho”

Um dos diretores deste documentário, Michael Dweck, é um renomado artista visual americano que se destaca por sua fotografia narrativa; nos últimos anos, ele se aventurou na direção de filmes ao lado do diretor de fotografia Gregory Kershaw. Sua colaboração também levou ao filme Os Caçadores de Trufas, que foi indicado no Sundance e ganhou o prêmio de Melhor Direção de Documentário do Directors Guild of America em 2021.

Elaborados por fotógrafos talentosos, os filmes apresentam sua estética única e muitas vezes colocam a narrativa como pano de fundo de seu estilo visual. Seu último trabalho, “Gaucho Gaucho”, mais parece um documentário visual etnográfico; a cinematografia meticulosa eleva a qualidade técnica muito além das obras antropológicas que pareciam intocadas pela edição, correspondendo à crueza de seus temas.

Como o título sugere, o documentário gira em torno da população conhecida como gaúcha, que vive no Vale Calchaquí, na província de Salta, nos arredores dos Pampas argentinos. Existe uma crença predominante de que culturas tradicionais em áreas remotas não conseguem resistir à maré da globalização e da modernização; porém, talvez pela estética dos documentaristas, percebe-se no filme um conservadorismo firme por parte do povo gaúcho, especialmente entre os jovens.

Uma estudante de ensino médio, desrespeitando o código de vestimenta da escola, insiste em usar o traje tradicional gaúcho; um menino, cortando lenha na fazenda com o pai enquanto toma mate, acredita firmemente em seu futuro e declara: “Vou me tornar um vaqueiro”.

Os anos passam pelas planícies áridas, os cavalos galopam com o passar do tempo e as pessoas prosperam na companhia de vizinhos familiares.

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Imagem de “Gaucho Gaucho”

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3. Igualada

Colômbia Diretor: Juan Mejia Botero

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Imagem de “Igualada”

O filme centra-se na campanha presidencial de Francisca Márquez, a líder do movimento comunitário rural preto colombiano. Como ativista preta que desafia o status quo, ela abraçou corajosamente o termo discriminatório "igualada", usado contra a comunidade afro-colombiana. Transformado num grito de guerra, inspira uma comunidade a mudar seu destino e a lutar pela igualdade.

Num momento histórico, em 7 de agosto de 2022, Francisca Márquez alcançou uma vitória revolucionária: ser eleita vice-presidente da Colômbia; ela fez história como a primeira vice-presidente afro-colombiana do país.

As aspirações presidenciais de Márquez decorrem de seu trabalho na comunidade La Toma, na província de Cauca, onde se dedicou à melhoria social e ambiental. O diretor Juan Mejia Botero a conhece desde 2006 e trabalhou com ela em dois curtas-metragens; por isso que, mesmo enfrentando ameaças de morte, Márquez decidiu participar na realização deste documentário, sublinhando a confiança que deposita no realizador e na equipe.

Este filme tem potencial para continuar influenciando a sociedade colombiana. Após sua estreia no prestigiado Sundance, "Igualada" está pronto para embarcar em uma bela jornada: o diretor planeja levá-lo para as selvas remotas da Colômbia, onde não há cinemas ou serviços de streaming. Ele pretende montar telas de projeção improvisadas e exibir "Igualada" para as comunidades, recuperando o termo que já foi depreciativo.

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Imagem de “Igualada”

Bônus: Aqui está a entrevista com o diretor de “Igualada”, em espanhol.
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4. Malu

Brasil Diretor: Pedro Freire

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Imagem de “Malu”

A protagonista titular, Malu, é uma atriz de teatro desempregada. Suas emoções estão em constante mudança – em um momento ela abraça calorosamente a filha que está de volta da Europa; em outro, está envolvida em uma discussão acalorada com a mãe idosa com quem mora. Por alguma razão, as três mulheres de gerações diferentes se uniram temporariamente numa das favelas do Rio de Janeiro.

Sob a influência contínua do namorado traficante de Malu, suas emoções e sua saúde se tornam cada vez mais instáveis – mas ela ainda sonha em restaurar seus antigos dias de glória nos palcos. Malu discute incessantemente com a filha sobre transformar o pátio da favela em um centro de artes cênicas e ganhar dinheiro com treinamento artístico para sustentar seus sonhos não realizados.

O filme, que deveria ser um típico drama familiar, parece assumir o tom de uma campanha antidrogas – basta olhar para as famílias que são dilaceradas pela devastação do abuso de drogas no Rio, livres do controle governamental. O filme é caracterizado por sons ruidosos em tons altos, o que faz sentido visto que a protagonista é usuária de drogas. Seu vício e comportamento aumentam a tensão entre as três mulheres.

No entanto, pode ser bastante irritante assistir às incessantes brigas entre elas na tela grande – se Malu conseguir estabelecer seu centro de artes cênicas, é fácil imaginar que o lugar vai se tornar um campo de batalha incontrolável.

Achando insuportáveis as discussões entre mãe e avó, a filha decide se mudar para a casa do pai em São Paulo; mas a deterioração da mãe a leva a retornar ao Rio. Ela está decidida a tentar construir um relacionamento com Malu, mesmo que signifique acompanhá-la nas fases finais da vida.

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Imagem de “Malu”

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5. Reinas

Peru Diretora: Klaudia Reynicke-Candeloro

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Imagem de “Reinas”

"Mis Reinas" (“minhas rainhas”) é como as duas filhas da história são frequentemente chamadas pelo pai Carlos. Embora o título se refira às duas meninas, o personagem central é sem dúvida o pai, que passa os dias vagando sem rumo pelas ruas de Lima – e mentindo descaradamente: às vezes, ele afirma ser um roteirista desencantado com o ambiente artístico do Peru; outras, se apresenta como um engenheiro florestal lutando contra crocodilos nas profundezas da selva amazônica; ele pode, também, ser chefe de segurança de uma fábrica; ou, como sussurra para a filha mais nova, “um agente da inteligência secreta nacional à procura de terroristas”.

O filme se passa no início da década de 1990, um período turbulento no Peru, quando o Sendero Luminoso, um grupo militante comunista, lançava ataques a bomba contra alvos do governo. Elena, uma mulher com uma carreira de sucesso, recebe a oportunidade de trabalhar em Minnesota, nos EUA; ela mal podia esperar para tirar as filhas da sua terra natal atormentada pelo caos político e pelo colapso econômico, mas havia uma última coisa a fazer: conseguir a assinatura e aprovação do pai, Carlos, de quem estava divorciada.

Assim, como todas as histórias familiares sobre contradições e reconciliações, o pai ausente regressa depois que as filhas cresceram; ele restabelece uma conexão com elas, potencialmente competindo pelo carinho com a mãe.

Das praias costeiras à luz do dia até a casa grande à noite, tudo nessa família de classe média parece normal. No entanto, uma vez iniciado o toque recolher obrigatório, é uma aventura perigosa sair de casa sob o olhar atento e a interferência de um regime militar brutal. Há mais alguma coisa que atrapalhe as “reinas”? Talvez elas simplesmente tenham medo da mudança.

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Imagem de “Reinas”

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6. Frida

Prêmio de Edição Jonathan Oppenheim: Documentário dos EUA
EUA/México Diretora: Carla Gutierrez

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Imagem de “Frida”

Há inúmeros dramas biográficos e documentários sobre a lendária pintora mexicana Frida Kahlo. A diretora deste último, Carla Gutierrez, teve a chance de demonstrar sua capacidade de sintetizar e organizar um enredo a partir de vastos materiais históricos.

A edição final desta versão de “Frida” parece ter visto minuciosamente o material documental do Museu Frida Kahlo. Com este filme disponível, duvido que ainda seja necessário visitar a casa de Frida na Cidade do México – a famosa Casa Azul sempre tem longas filas e pode negar entrada quando estiver lotada.

A abundância de materiais se deve em parte ao fato de a protagonista ser uma figura pública. Ela deixou para trás uma riqueza de imagens em preto e branco, documentários familiares, vídeos de entrevistas e extensos diários – típicos de uma artista sensível – para que seus admiradores se aprofundem em sua vida.

Talvez devido a uma profunda reverência por Frida, o retrato que Carla faz dela parece focar nos aspectos mais positivos da vida da pintora – por exemplo, como ela desenhava para aliviar a dor causada por um acidente de carro; ou sua serenidade mesmo sabendo dos numerosos casos de seu marido Diego Rivera. Ao mesmo tempo, o envolvimento romântico entre Frida e o líder revolucionário comunista Trotsky não é mencionado.

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Imagem de “Frida”

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7. In the summers

Grande Prêmio Americano do Júri: Drama

EUA Diretora: Alessandra Lacorazza

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Imagem de “In the Summers”

Até certo ponto, este filme familiar pode ser visto como uma versão no Novo México de "Aftersun", filme de 2022. O filme pega a história de pai e filha passando as férias de verão juntos e multiplica por quatro, tornando-se uma coleção de histórias emocionantes ao longo de quatro verões e da jornada de amadurecimento de uma adolescente. As duas garotas de "In the Summers" voam para Las Cruces, Novo México, todo verão, ficando na grande casa com piscina do pai porto-riquenho – a propriedade é uma herança da mãe e contribui para o encanto deste homem carismático, mas peculiar. O filme capta quatro fases de crescimento, da infância à adolescência e à idade adulta, narrando suas lutas e confrontos.

“Eu sou daqui”, responde Vincent quando a filha questiona por que se estabeleceu em Las Cruces e se recusa a ir para qualquer outro lugar. Embora Porto Rico seja sua terra natal, ele cresceu nos EUA. Apesar do processo de envelhecimento, do sol implacável do Novo México e da sempre presente mesa de sinuca no antigo bar, o estilo de vida de Vincent permanece o mesmo – imerso no álcool ao longo do dia, ele se tornou um copo de uísque infundido com o sabor da vida. Sua filha mais nova está aprendendo a andar e a falar, enquanto as duas filhas de seu casamento anterior vão e vêm, tornando-se adultas.

A filha que “saiu do armário” pode ser uma representação da própria diretora, Alessandra. Como membro da comunidade queer colombiana-americana, compartilha dinâmicas familiares semelhantes e, com o tempo, optou por abraçar seu verdadeiro eu. Nas cenas finais, as duas filhas aguardam o voo para sair de Las Cruces, com um magnífico pôr do sol no final da pista. Observando suas sombras alongadas, Lacorazza pode estar se lembrando de seus verões.

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Imagem de “In the Summers”



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