Se você não quer assistir a Samurai de Olhos Azuis porque acha que vai ser "politizado" demais, espero que eu consiga fazer você mudar de ideia! O vilão principal pode ser um homem branco, mas oferece muito mais do que isso. Ao contar a história de um samurai mestiço em busca de vingança contra os últimos quatro estrangeiros que permaneceram ilegalmente no Japão, a animação aposta todas as fichas na classificação para maiores de 17 anos com o objetivo de explorar o trauma que nossas identidades nos infligem e como elas nos mudam. O resultado é uma história que, embora não seja nada de muito especial visualmente, oferece uma perspectiva única sobre o quanto podemos estar cegos para o sofrimento dos outros.
As caracterizações do elenco principal de Samurai de Olhos Azuis são sutis, mas o público logo percebe que todos os personagens fazem, de uma forma ou de outra, parte de um grupo oprimido. Isso é bem visível em relação à personagem principal Mizu e ao seu gentil companheiro gigante Ringo: ela é intimidada e discriminada por sua identidade mestiça e ele é considerado incapaz por ter nascido sem mãos. As identidades dos outros dois protagonistas são um pouco mais complexas. Taigen, um espadachim habilidoso, tem um futuro casamento promissor pela frente...até que ele perde uma luta, e tudo o que ganhou vai por água abaixo, já que sua origem pobre não lhe oferece a posição social para suportar essa humilhação. Sua futura noiva, Akemi, também parece levar uma vida encantadora como uma princesa rica, embora o público rapidamente perceba que ela tem uma gaiola dourada, funcionando como uma metáfora para as poucas oportunidades que ela tem na vida por ser mulher. Para cada um dos personagens principais, as identidades tornam-se uma fonte de trauma e dores constantes.
![Eles não foram nada sutis com a metáfora da gaiola dourada.](https://img.peliplat.com/api/resize/v1?imagePath=peliplat/article/20231218/806fc2d2538892e40b0b9b09d9916935.jpeg&source=s3-peliplat)
No entanto, ter um elenco de origens diversas que vivenciam traumas não é especial por si só. O que torna esses personagens tão interessantes é que Samurai de Olhos Azuis mostra como cada um deles está tão envolvido em suas próprias lutas que não consegue ver nem compreender as lutas dos outros. Isso é parte do motivo pelo qual as acusações de que a animação é excessivamente esquerdista simplesmente não se sustentam, já que a história não é sobre minorias perfeitas enfrentando um bandido malvado. Em vez disso, vemos como os personagens estão sempre fazendo escolhas erradas e decepcionando uns aos outros. Taigen, que também foi um dos valentões na infância de Mizu, não considera o passado comum de pobreza. Em vez disso, ele a vê como alguém inferior a ele, que pode usar como um trampolim para se reerguer. Akemi inveja a liberdade das prostitutas e compara seu casamento arranjado com um homem rico à prostituição, completamente inconsciente da diferença entre essas vidas. Mizu também demonstra estar mais do que disposto a prejudicar ou sacrificar outros quando considerado necessário ou “melhor”. Descobrimos que até mesmo o personagem maligno Fowler acaba sendo impulsionado por um trauma.
![O único bom garoto é o doce e gentil Ringo, que está fazendo o melhor que pode.](https://img.peliplat.com/api/resize/v1?imagePath=peliplat/article/20231218/3faeae9be3f72cc4ef13ee6820c106c9.jpeg&source=s3-peliplat)
Samurai de Olhos Azuis não tem nada a ver com “política”. Ter personagens minoritários não faz uma animação ser “politizada”, pelo menos não no sentido pejorativo da palavra. É verdade que alguns diálogos empurram a animação por esse caminho, como quando Fowler fala sobre fazer os personagens japoneses acharem seu rosto mais bonito que o deles, uma frase um pouco próxima demais das discussões modernas sobre colonização e padrões de beleza. No final, porém, Samurai de Olhos Azuis conta uma história muito sutil sobre como todos, mesmo os homens brancos podem vivenciar a falta de privilégios de uma forma ou de outra. Não é nosso privilégio que nos define, mas, sim, o que fazemos com ele.
![Se você não sabe como é...este é o retrato do trauma e da dor.](https://img.peliplat.com/api/resize/v1?imagePath=peliplat/article/20231218/94ab0cde8c8c03cc7052d7e0577d10ef.jpeg&source=s3-peliplat)
Não é fácil, é claro, a menos que você seja naturalmente muito empático e atencioso como Ringo. É muito fácil esquecer o poder que temos e, em vez disso, recorrer aos meios mais cruéis para recuperar o poder que não temos. Um bom exemplo disso na minha vida foi um menino que estudou comigo. Na época, ele zombou de mim por ter cabelo curto, usando a lógica de que cabelo curto = lésbica = vai para o inferno. Isso foi bastante difícil para mim na época, porque eu tinha acabado de me mudar para uma nova cidade e não me encaixava na cultura super-religiosa de lá, o que resultou na minha rejeição social e, depois, em depressão. Surpreendentemente (ou talvez não), ele acabou se assumindo gay. Ele me intimidou naquela época, pois estava lutando com a própria identidade devido ao seu ambiente religioso. Ele estava tentando se sentir melhor consigo mesmo e se alinhar com a cultura dominante, a fim de manter o status social, e ao fazer isso mirou em mim, não reconhecendo ou não se importando com as lutas que eu estava enfrentando. É disso que se trata Samurai de Olhos Azuis e contra o que a animação está tentando nos alertar.
![Eu poderia expor esse cara que me fez tanto mal? Sim, mas esse é exatamente o tipo de vingança negativa sobre o que a animação fala.](https://img.peliplat.com/api/resize/v1?imagePath=peliplat/article/20231218/e9d2982e9889c37306ac9ea2e26bcee9.jpeg&source=s3-peliplat)
No geral, vale a pena assistir a Samurai de Olhos Azuis. Embora seja improvável que você se surpreenda com o som ou os visuais da mesma forma que a animação Arcane, com tema semelhante, sua história é extremamente instigante. Se você não gosta muito de cenas de sexo e violência, talvez seja melhor assistir ou ler um resumo da trama. Caso contrário, eu recomendo Samurai de Olhos Azuis fortemente. Não vejo a hora da estreia da segunda temporada.
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