
Depois de assistir ao episódio de Love, Death and Robots, imediatamente corri para o romance original. Muitos dos conceitos citados não foram totalmente esclarecidos devido às restrições de duração da série, o que gerou várias discussões. Este é provavelmente o resultado pretendido pelos produtores: quanto mais obscuro, mais cativante. No entanto, o final, o desenvolvimento do enredo e os temas principais do romance são relativamente claros. Aqui, resumirei alguns dos conceitos-chave:
Mecanismo de viagem mais rápida que a luz:
No livro, estruturas semelhantes aos buracos de minhoca da série são chamadas de "aberturas", criadas por uma civilização alienígena avançada há muito tempo. Ao contrário dos buracos de minhoca, não transportam instantaneamente uma nave para outro local, mas ajudam as naves a viajar a uma velocidade média de cerca de 1.000 vezes a velocidade da luz. Seus criadores desapareceram, deixando que a humanidade aprendesse sozinha como usá-las. Para ativar uma abertura e chegar a outra, são necessárias instruções específicas e complexas chamadas "runas". A inteligência artificial humana consegue decifrar parcialmente os símbolos e gerar instruções, mas devido a imprecisões nessas informações, há desvios ao viajar por várias aberturas. É aqui que indivíduos com uma intuição única, chamados de "executores de sintaxe", corrigem as instruções e economizam um tempo significativo de viagem – a nave de Suzy cumpre esse papel.

Conceito de bolha local:
A maior parte da Via Láctea é ocupada por matéria interestelar – gás e poeira. Explosões de supernovas criaram “bolhas”, e em uma delas reside o sistema solar – a bolha local. Existem outras bolhas fora da local, que se cruzam e se conectam entre si; regiões com alta densidade de matéria interestelar criam “fendas” onde a luz não consegue penetrar, resultando em áreas como “além da Fenda de Aquila”. As redes de abertura existem apenas dentro dessas bolhas (e mais), permitindo a viagem humana dentro da bolha local e, em alguns casos, através de bolhas conectadas. Porém, sair da bolha é impossível devido à falta de um “caminho”, e segue sendo impossível alcançar outra bolha apenas através das naves espaciais. A jornada para “além da Fenda de Aquila” leva ao limite da bolha local, o ponto mais distante que os humanos conseguem alcançar. Portanto, "Para além da Fenda de Áquila" representa uma metáfora para "fora do tempo e do espaço", sem possibilidade de retorno.
Causa e consequências do desvio:
A nave se desvia de sua rota devido a bugs de sistema em Arkangel e a falta de conhecimento humano sobre redes de abertura. De acordo com Greta, o alienígena que se apresenta como humano, as aberturas já abrangeram toda a Via Láctea, estendendo-se além de outras galáxias. A jornada da personagem a leva inesperadamente à Grande Nuvem de Magalhães, cerca de 163 mil anos-luz da Via Láctea, uma jornada insondável em termos de distância – ela vivencia mais de uma década, enquanto cerca de 150 anos se passam na Terra. Uma espécie alienígena parecida com uma aranha chega involuntariamente à Grande Nuvem, vinda de outra bolha dentro da Via Láctea. Inicialmente enfrentaram desespero e escassez de alimentos, mas encontraram consolo e apoio através de interações com outras espécies encalhadas.

As mortes de Suzy e Ray e o propósito da aranha alienígena: As mortes de Suzy e Ray resultam de decorações não autorizadas dentro de seus casulos de hibernação – embora proibidas, eram inofensivas a curto prazo, mas se revelaram fatais ao longo de anos de viagem. Ao chegarem na Grande Nuvem de Magalhães, Suzy e Ray já estavam mortos há mais de um século, apenas o protagonista sobreviveu. Os alienígenas, que parecem aranhas, encontraram o caminho devido à sua saída involuntária de outra bolha – eles formaram uma comunidade, dando apoio emocional e material aos viajantes perdidos. Suas afirmações sobre o consumo de essência humana não eram verdadeiras, pois cuidaram do bem-estar mental do protagonista sem precisar se alimentar dele. Suas ações foram motivadas por uma empatia genuína e pela necessidade de companheirismo.
Interpretações do romance – três caminhos possíveis:
a. Sobre o confronto com o "Outro":
O protagonista enfrenta problemas emocionais devido à separação prolongada de sua esposa. A partir do momento em que conhece Greta, inconscientemente começa a se afastar da esposa e, sob a provocação de Greta, se envolve com ela. Os extraterrestres identificam sua capacidade em aceitar a notícia da morte da esposa a partir desse aspecto e, aos poucos, ele aceita o fato de estar exilado para sempre no reino extragaláctico. Ao descobrir que a estação espacial é, na verdade, uma simulação craniana, principalmente depois que os extraterrestres lhe revelam sua verdadeira identidade, ele desmaia. Os ets são então obrigados a criar uma ilusão para que ele retorne à Terra, à sua casa, e mantenha sua estabilidade mental. Nesse contexto, "desviar-se" parece ser uma metáfora para sair do "ambiente familiar". O "desvio" envolve não apenas sua esposa, mas também sua própria raça e planeta. Nesse processo, ele até experimenta um "traço de orgulho". Mas quando realmente encontra criaturas e ambientes completamente diferentes, até mesmo "indescritíveis", sua cognição entra em colapso. Muitas vezes, precisamos de um pouco do “mesmo” para acomodar e compreender o “outro”. Nesta narrativa, o autor cria verdadeiros seres "extraterrestres", verdadeiros "outros", que são uma existência além da compreensão. Assim como os humanos estão fadados a permanecer dentro da bolha local, a menos que ocorram acidentes, eles parecem destinados a não confrontar o "outro" – essa interpretação apresenta uma visão pessimista do texto.
b. Sobre a vastidão do tempo e do espaço:
O autor opta pelo conceito de “viagem hiperespacial” em vez de “buracos de minhoca”. O universo não está dobrado em pontos adjacentes, e o espaço e o tempo não são comprimidos pela velocidade da viagem da espaçonave – parecem ainda mais expansivos. Diante de tão vastas extensões de tempo e espaço, a escala da “humanidade” (uma vida útil de apenas cem anos, velocidades mil vezes superiores à velocidade da luz) parece incrivelmente pequena. O tema do “atraso no tempo” é recorrente ao longo da narrativa: como as ondas de rádio não conseguem ultrapassar a velocidade da luz, as mensagens de vídeo gravadas pelo protagonista devem ser transportadas pelo navio que entra pela abertura até a saída mais próxima da localização de sua esposa para que as receba, um processo que é demorado e arriscado; as decorações na câmara de hibernação são inofensivas a curto prazo, mas ao longo de décadas podem tornar-se letais; o protagonista leva mais de uma década para chegar à Grande Nuvem de Magalhães, quando sua esposa já faleceu há mais de um século. O tempo se torna uma existência tangível e frustrante. Os humanos na narrativa parecem ter deslizado a superfície da conquista do tempo e do espaço, quando, na realidade, estão tropeçando num caminho deixado por outra civilização, tateando no escuro. Quando confrontados com o tempo e o espaço, ficam impotentes, como se enfrentassem divindades – esta interpretação apresenta outra visão pessimista do texto.

c. Sobre comunicação intercivilizacional:
Segundo o protagonista, o espaço além da bolha local e das bolhas associadas é inacessível e desnecessário, pois a bolha local já oferece amplas oportunidades. A humanidade nunca se aventurou "além da Fenda de Aquila" e não há comunicação com outras civilizações dentro da Via Láctea. Do ponto de vista do protagonista, não há desejo de tal comunicação (pela impossibilidade), mas quando realmente chega “além da Fenda de Aquila”, o suposto “lugar inacessível”, descobre que é um ponto de encontro para várias espécies galácticas. Não há demônios consumindo cérebros ou sangue, só um grupo de almas perdidas buscando o calor umas das outras. Essa troca de civilizações ocorre dentro de um “cemitério interestelar” – um tanto irônico. Porém, neste cemitério, a ajuda mútua é o único meio de sobrevivência, que também se torna a essência da sobrevivência. O universo material é frio e implacável, enquanto o espírito possui calor. No mundo criado pelo autor, as civilizações não precisam competir por recursos, nem precisam entrar em guerra – talvez nem se encontrem. No entanto, no grande esquema das coisas, elas se cruzam. O cruzamento não é fervoroso, nem tem histórias românticas, mas é quente – quente o suficiente para que a fraca luz da vida continue piscando – esta interpretação apresenta uma visão otimista do texto.
PS: Se você ainda acredita, depois de ler o romance, que aqueles alienígenas são criaturas diabólicas que se alimentam de essência humana, considere o seguinte: eles só conseguem capturar um ou dois indivíduos ao longo do ano, uma única refeição, então por que investiriam tanto esforço e recursos para cuidar do bem-estar psicológico do protagonista e seriam totalmente transparente com ele? No final, embora volte a entrar na simulação, ele encontra a felicidade. Pode-se argumentar que este é o melhor resultado que “Para além da Fenda de Áquila” tem a oferecer.
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